11.8.23

NÃO MATE O MENSAGEIRO


um escudo e uma espada
têm com o corpo e a cabeça 
um compromisso 

por onde passa
a lâmina fica a lâmina nunca 
é esquecida 

ne nuntium necare 
a língua é uma lâmina mole e cega 
o mal pela raiz

a primeira batalha irrompe bem
antes da declaração a arte da guerra 
é nem começá-la

10.3.21

Amor fati [English version]


I break

doors and windows

all the glasses in your house

because I am the dynamite and a destination 

I see the scattered viscera

kiss the gunpowder

and the remorse: you are

all over the place

pasting the shards

cutting your fingers

hurting your mouth with nails

blocking off the way: you

do not let me in

do not let me in

but I already entered

and now there is no place

narrower than the Atlantic

listen carefully

to the syntax of the hammer

the howl in the background

the children crying

It's the Last Supper, and the Banquet

is a promise: I swear

to melt the keys

set fire to my body

and blow

my ashes in your hair

just to remind you

that time is fair

when it’s your servant and when I am

the dynamite and a destination

27.4.20

atualidades

a única coisa certa é o esboço
do que está por vir
é um ensaio um rascunho um garrancho
do que está por vir

passar a limpo

a única certeza é a da coisa encubada
a coisa encubada é a única certeza
por isso estou doente
sem saber

quem vai limpar o que está por vir

lavar as cinzas e o cinzeiro
lavar as cinzas com sabão
lavar as cinzas do passado
erradicar o carvão

tem que ser rápido

eu sujo minhas mãos
pense antes de sujar as mãos
eu lavo minhas mãos
pense antes de lavar as mãos

Pôncio Pilatos sempre atual
***
Poema escrito a partir de exercício coletivo do curso Poesia Expandida (Casa das Rosas, abril de 2020).

23.5.17

persianas horizontais


controlar a luminosidade 
dos astros seus pequenos incêndios

o melhor campo de visão anti-
espionagem é ver ou não

toco suas pálpebras e observo
as pupilas dilatando, o corpo 
que se abre ao campo 
esvoaçante das cortinas. podem ser

também as franjas, os óculos e os penduricalhos


13.5.17

cadáver exquisito


A língua é só um detalhe. A língua não é 
uma víscera. A língua é um músculo, cuja ausência 
de ossos permite modular sons complexos 
que, por acaso, podem também fazer cócegas no ar. 
Mesmo que eu me tornasse estrangeira
minha língua nunca seria estrangeira. A carne 
epiléptica nasce onde tem que nascer.

Só depois da língua é que vem o coração, a dobra-
dinha, a moela, as entranhas 
do porco, do bode, do touro e da galinha
que não podem falar. Eu falo porco, bode, touro 
e galinha. Eu falo, sim, ao porco, ao bode, ao touro 
e à galinha. Eu falo minha comida, meus amigos
mas é com as mãos que como, com as mãos 
que toco, abro, entro e não levo as mãos à boca 
que pergunta como não manchar o traje. 

Cólera. Pássaro negro. Civilizações inteiras. 
Formas áureas. Flor de Lótus. Luz que cega 
e morre. Antares! É no erro que mora 
a diabólica mãe da beleza, por isso é tão difícil 
morar na beleza de um penhasco. 

Todo gênio se considera uma fraude 
ou não. Toda fraude é genial. 
Chupo os ossos da dúvida. As hienas riem. 
Jamais sentirei fome novamente.

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